A leitura é uma das melhores formas de passar o tempo nesta quarentena (aliás, uma das melhores formas de passar o tempo em quase qualquer situação). E que tal aproveitar este período para conhecer um pouquinho mais da literatura produzida aqui no Rio Grande do Sul, aquela que muitas vezes não é tão comentada nem ganha tanto destaque nas livrarias?
Claro, a literatura é algo universal, mas muitas vezes esquecemos que, aqui pertinho, tem muita gente produzindo, escrevendo contos, romances, crônicas e poesias da mais alta qualidade. E é isso trago para vocês neste post: uma pequena, mas rica amostra do que os “nossos” escritores estão produzindo em termos de romance. Nos próximos dias, trarei também dicas de livros de contos, de crônicas e de poesias de autores gaúchos.
A primeira sugestão é Os Donos do Inverno, de Altair Martins (Não Editora, 256 páginas), lançado ano passado. O livro narra a viagem de dois irmãos, o professor Elias e o taxista Fernando, que atravessam o Estado, o Uruguai e a Argentina com um objetivo em mente: levar os ossos do irmão mais velho, o jóquei Carlito, até o grande prêmio do hipódromo de Buenos Aires, que, mais de vinte anos antes, ele sonhava vencer. O que encontramos, entretanto, vai além de uma história de viagem: é uma história sobre relacionamentos, memória, culpa, perdão, medos, uma história sobre como o tempo e os acontecimentos podem nos distanciar, mas também – por que não? – voltar a nos unir. Além da trama em si, chama a atenção o foco narrativo sui generis escolhido por Altair: a primeira pessoa do plural, um “nós” que de início causa estranhamento, e que por vezes parece se transmutar em um “eu e ele”, mas que, percebemos aos poucos, tem tudo a ver com o que está sendo contado, com essa relação de simbiose entre dois (ou três, poderíamos dizer) irmãos tão diferentes, mas unidos por laços nascidos na infância.
Outra história que envolve acontecimentos e sentimentos do passado e suas repercussões no presente é Correr com Rinocerontes, de Cristiano Baldi (Não Editora, 288 páginas). O livro, lançado em 2017, começa quando um jovem sem nome recebe um telefonema que o faz viajar de São Paulo, onde está cursando um mestrado, a Porto Alegre, onde mora sua família e onde algo, que não sabemos bem o que é mas intuímos ser grave, acabou de acontecer. Esse retorno em meio a uma situação difícil e potencialmente traumática vai desencadear memórias de um outro fato trágico ocorrido anos antes e que abalou não somente o narrador-protagonista, mas toda a família, moldando suas vidas desde então. Os flashes desse passado – que aos poucos revelam os outros personagens do drama – transcorrem em meio às atitudes (e palavras) ora cínicas, ora passivas da personagem, que parece usar o presente como um escudo contra o que passou, e vice-versa.
Se os dois romances anteriores giram em torno de personagens masculinas, em Borboleta Nua, de Marcos Mantovani (Quatrilho, 144 páginas), o que temos é um mergulho na interioridade de uma mulher, Débora, que, sentada no café de um livraria, observa as pessoas ao seu redor e reflete sobre uma decisão importante a tomar. Num tom de conversa com o leitor, a narradora fala de sua vida, de suas leituras (afinal, ela está numa livraria), do casamento – e do caso que começou, há alguns meses, com um colega do cursinho de espanhol. O desnudamento da alma feminina pela pena de um escritor homem, em alguns momentos, chega a surpreender, denotando uma percepção apurada por parte do autor. Não à toa o livro, lançado em 2013, foi vencedor, no ano seguinte, do Prêmio Vivita Cartier.
A quarta dica envereda pelo suspense psicológico: Fixação, de Bruno Atti (Quatrilho, 256 páginas), lançado em 2018. A história começa com uma jovem, Carina, procurando o consultório de um psiquiatra, Carlos. Logo, porém, o foco narrativo muda, e paramos de acompanhar a moça para nos determos no médico – alcoólatra, separado da mulher, odiado pela filha e cada vez mais envolvido pelas histórias que sua nova paciente lhe conta. Aos poucos, coisas estranhas começam a acontecer, primeiro com sua secretária, Magda, depois com ele próprio, sempre nos dias das consultas de Carina. De início, Carlos defende que são coincidências, mas quando começa a se preocupar e vai investigar, descobre que a jovem pode não estar lhe contando toda a verdade.
Também na linha do suspense psicológico, mas com uma pegada mais forte de terror, temos Lauren, de Irka Barrios (Caos & Letras, 228 páginas), que chegou às livrarias ano passado. Bullying, descoberta da sexualidade, fanatismo religioso e repressão são os elementos que se misturam na trama, contribuindo para a desestabilização da personagem-título, a adolescente Lauren, numa narrativa com clara influência do clássico Carrie, de Stephen King. A primeira cena já é tensa, com Lauren, sem fôlego, fugindo de um grupo de perseguidores: ela foge porque destoa, porque não se encaixa, e, se não se encaixa, alguma coisa precisa ser feita...
Por hoje, era isso. Confira, leia e sinta-se à vontade para enviar, também, as suas indicações de leitura!
Parabéns pela iniciativa. Eu li Os donos do inverno e adorei. Colocarei Fixação na minha lista.
Adorei estar aqui, junto com tanto autor bom. Muito obrigada, Maristela. 😍😘
Aiiiiiii, minha lista só aumenta! Excelentes obras divulgadas por uma escrita sedutora. Doidinha para ler.
Parabéns pela iniciativa e pela postagem da literatura gaúcha contemporânea! Fiquei pilhado pra ler tuas indicações.
Feliz demais aqui. Gracias!