Quando começa a história de uma cidade? Na sua fundação oficial? Quando ali se estabelecem os primeiros núcleos de moradores? Quando ela passa a ser reconhecida como tal? Talvez para nós, brasileiros, moradores de um país jovem – o Brasil pós-cabralino tem pouco mais de cinco séculos de história, e o antes ainda é pouco estudado –, soe estranho falar de uma cidade de mais de mil anos. Mas assim é Paris, a bela e efervescente capital da França, cenário de muitas histórias e, também, de muita História. E ler sobre a própria história da cidade pode ser fascinante, como mostra o livro Paris: Biografia de uma cidade (L&PM, 592 páginas), de Colin Jones.
A obra, entretanto, não se contenta em voltar um milênio no tempo. Recua ainda mais, até por volta do ano 360, quando Juliano, imperador romano, escreve sobre a cidadezinha então chamada de Lutécia, capital dos parísios. Dizia ele que esta era “uma pequena ilha que repousa no rio; uma muralha a circunda completamente, e pontes de madeira dos dois lados conduzem a ela”. O livro segue, passando pelas dinastias capetíngeas e carolíngeas, pelo crescimento e consolidação da cidade, pelos marcos arquitetônicos e históricos.
Sobre o crescimento, o autor destaca em especial o ocorrido entre os anos 1000 e 1300: “Até o ano 1100, pouco mais que um ponto no mapa, ao final do século XII Paris era a maior cidade da cristandade, centro cultural e intelectual de primazia” (p. 57). Segundo dados ao final do livro, em 1100 a cidade tinha 3.000 habitantes; por volta do ano 1220, já eram 50.000. E estamos, claro, ainda nos primórdios dessa história: a cidade será conquistada, retomada, reconstruída, reformada, muitas e muitas vezes. Se as modernizações do Barão Haussmann, durante o governo de Napoleão III (que incluíram a abertura das largas avenidas hoje características), estão entre as mais conhecidas, elas certamente não foram as primeiras.
É difícil, num único texto, dar conta de um livro tão abrangente e de tal densidade. Revoluções, grandes personagens, cultura, arquitetura, todos esses e muitos outros aspectos estão presentes nas páginas dessa “biografia”, num trabalho digno do nome. A obra traz ainda cinquenta imagens, entre fotos e gravuras, além de uma série de mapas, entre os quais os da Paris medieval, da Renascença, de Napoleão e da modernização do século XIX.
O texto vai até os primeiros anos deste terceiro milênio, e inclui ainda diversos boxes sobre locais, personagens e fatos específicos, como as arenas de Lutétia, a padroeira Santa Genoveva, o Café Procope, as galerias parisienses, a Torre Eiffel, etc. Uma lista do que Jones chama de prédios característicos da cidade, datas de construção e seus respectivos arquitetos complementa o material.
Apesar do tamanho do volume – afinal, são aproximadamente 600 páginas – e da profundidade do texto, a leitura é agradável e fascinante. Só não ultrapassa, em fascínio, a própria biografada.
Comments